O nascimento de Clarice

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·@thomashblum·
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O nascimento de Clarice
<div class="text-justify">Minha esposa me perguntou certo dia por que é que até hoje não escrevi sobre o nascimento de nossa filha, sendo este um dos momentos mais poderosos pelo qual passamos nos últimos anos. Eu não tive uma resposta para lhe dar, achava apenas que não conseguiria traduzir em palavras a experiência da forma que eu vivenciei, e que acabaria por simplifica-la por demais. Mas desde então tenho pensado nisso, e acho que essa experiência merece ser contada sim. Eu quero centralizar meu foco no dia do nascimento, naquele momento único mesmo, por que a gravidez inteira e todo o processo é extremamente rico e poderoso e certamente gera muito material. 

![home-birth-essentials-stock.jpg](https://steemitimages.com/DQmWSLYEHLbYaur96MJYDjPv5HMuANBUo75qndX4zs18Z1K/home-birth-essentials-stock.jpg)

Foi logo após o almoço que minha esposa me ligou no serviço e disse: -Não precisa se preocupar, mas a bolsa estourou. Você pode vir? 
Nessa hora meu corpo foi tomado por intensa descarga de adrenalina e avisei o pessoal, larguei tudo e me mandei, morávamos um pouco longe do centro, coisa de 11 km (que para uma cidade pequena, é muito), minha cabeça estava a mil durante a ida e jamais vou esquecer que na minha frente estava um caminhão da Budweiser com a frase: “Great times are coming” escrita bem grande. Aquilo foi praticamente um recado do cosmos, o tipo de sincronicidade que nos faz sorrir. Estava tudo bem em casa, Carol (minha esposa) já tinha quase tudo preparado, seguimos então para o hospital. E daqui pra frente, as informações se tornam um pouco fragmentadas, por que nem tudo fica marcado quando você está praticamente chapado de emoção.
Ela começou a sentir as dores e contrações quando começou a entardecer, as enfermeiras e o médico estavam sempre de olho na questão da dilatação. O médico nada animador disse mais de uma vez para não se estressarmos por que iria demorar horas e horas e provavelmente não iria nascer antes da meia noite. A dilatação foi aumentando. Tive uma semana antes no hospital um minicurso de participação no parto com duas enfermeiras/doulas muito queridas e que tiraram todas as nossas dúvidas. Uma delas ajudou no que pode na hora das contrações, sugeriu o banho para que Carol relaxasse os músculos, sugeriu a bola de pilates e essa ferramenta fez uma diferença imensa. Minha esposa dizia que ao fazer os movimentos de sobe e desce na bola sentada parecia sentir que a neném já estava saindo, naturalmente que era apenas impressão, nessas horas já havia bastante sangramento e muitas dores, a cada sequência de contrações Carol rasgava meu braço ou minha mão com a força que apertava. Não dava respostas lógicas as perguntas, contorcia-se de dor, mas tudo ia perfeitamente bem. A dilatação aumentou rapidamente logo o médico surpreendido viu que as coisas iriam acontecer mais rápido do que o imaginado. Pediu então para transferir Carol para a sala de parto e eu segui junto, aflito, eufórico e ansioso. 


Era um típico mês frio de Junho, aqui no sul nessa época podemos ter facilmente frio de 3 ou 4 graus negativos na madrugada, naquela noite, pelas oito horas deveria estar provavelmente uns 8 graus quem sabe, a sala era gelada, uma sala claustrofóbica sem janelas com aquelas paredes verdes antigas que lembram manicômio, o momento era tão intenso que comecei a sentir calor e precisei deixar a jaqueta de lado, Carol contorcia-se na mesa de parto, com as pernas já abertas. O doutor pacientemente lhe indicava o que fazer. Eu via tudo em flashes complexos, observava a enfermeira cansada com cara de “já vi isso muitas vezes” dizendo: -Nossa, tem plano de saúde e decidiu fazer parto normal? Corajosa... Via o pediatra convocado para observar o parto sentado olhando a parede esperando o momento do nascimento, minha esposa mordendo os lábios, apertando tudo que pudesse em sua volta. Amarraram-na para que seus braços não atrapalhassem o movimento médico diante de alguma dor insuportável, mas isso não nos pareceu ofensivo nem errado, não duvido que alguma mulher bata no médico diante de tanta dor. Em determinado momento ela já clamando por fim daquela experiência recebe uma dose de ocitocina sintética para ajudar o corpo a liberar a criança, essa manobra também é extremamente julgada pela nova ordem do politicamente correto e eu prefiro não julgar, visto que não tenho conhecimento a respeito. O que sei é que a intenção dessa ocitocina é além de relaxar a mãe, ajudar no processo do parto. Aquilo tudo era informação demais para mim, eu estava chapado de sensações. E incentivando como podia minha esposa, era tudo que podia fazer: estar ali ao seu lado, segurar sua mão, dizer que tudo ia bem e que logo a dor acabaria e estaríamos com nossa filha nas mãos. 

![Stocksy_txpf0080df03R5100_Small_594267.jpg](https://steemitimages.com/DQmfEGCQXHaHnN9Kk6FXFwp3vAByChFTXqN5kRDnQBwB5h1/Stocksy_txpf0080df03R5100_Small_594267.jpg)

O médico quebra meu transe e diz: Já da pra ver o cabelo, quer ver? E me puxa para observar, e aquela cena aterradora e maravilhosa ficou marcada em minha retina e minha mente até hoje, quando se confronta certos níveis de relação e de emoção, algo repulsivo como sangue, dilatação e tudo mais se torna bonito. Enfim aquele pequeno ser estava saindo de dentro de sua criadora, para ver o mundo. É nesse momento que Carol entrava no “círculo de fogo” que as pessoas falam, onde a dor supera qualquer limite experimentado até então em termos de parto. Esses momentos finais, era questão de segundos, mas tudo em câmera lenta, tudo incrivelmente intenso, indescritível. Foi necessário um pequeno corto lateral (esqueci o nome) para abrir espaço para a cabeça passar. Quando enfim saiu, o resto do corpo foi numa velocidade incrível que faz pensar que o médico tem que ter uma praticidade fantástica para não deixar escapar, por que muito se assemelha a um grande peixe pulando fora da água e você ter que pegá-lo com as mãos! Ela estava ali! Braços abertos naquela ardida luz branca de mesa de operação. Sua primeira relação com o mundo, imediatamente ao sair de dentro de minha esposa foi fazer xixi! Fez xixi no médico, na mesa, foi muito foda! 

Toda coberto por aquela camada branca, chorou forte como deve ser, foi levada para a mesa de preparo onde recebeu o atendimento padrão, que é sim evasivo e senti mal só de imaginar: tubos entrando no nariz para aspirar liquido no pulmão, entre outras coisas. Pesada, medida, avaliada. E nisso eu já não via minha esposa, estava aturdido, alucinado observando aquela criatura tão fresca, e ouço o médico me chamar para observar a placenta, e vejo uma cachoeira de sangue jorrando das pernas abertas de minha mulher, que ali permanecia num estado de ?! Provavelmente tão entorpecida quanto eu, observo a placenta sem saber o que responder e sigo com as enfermeiras para o banho do bebê na outra sala. E então eu observo melhor aquele corpinho frágil, avermelhado e branco ao mesmo tempo, a observação do mundo ao seu redor como se não acreditasse no que vivenciava. Se a enfermeira não perguntasse se eu não queria tirar foto, definitivamente eu não iria lembrar. 

Mas o momento decisivo desse episódio foi quando ela entregou então, minha filha, Clarice, no meu colo, e disse: Agora é com você, e eu olhei bem nos olhos dela, no fundo daqueles castanhos olhos que tentavam compreender tudo aquilo. Foi ali que eu selei meu destino como pai, como protetor, como ser que contempla, como aprendiz, como humano. Foi ali que tudo mudou em minha vida.

**[Um típico vídeo de pai e filhos, rs. Achei legal fazer para presentear minha esposa no dia das mães desse ano]**
https://www.youtube.com/watch?v=MkKZAmYTSy4

Hoje Clarice já está com dois anos e meio praticamente. Relatei aqui apenas um fragmento poderoso porém minúsculo da experiência que é ser pai, houve muito cansaço, muito estress, muita angustia, momentos de doença, de aflição, de incerteza, de medo e de raiva, de tudo. A vida é batida no liquidificador sem gelo quando você é pai/mãe. Carol lidou muito bem com tudo, diante de inúmeras dificuldades. Agora passado todo esse caos que é aprender a cuidar do primeiro ano de vida de um ser, as coisas se tornam cada vez melhores, mais e mais poderosamente interessantes. Diariamente eu me sinto presenteado pelo universo pela oportunidade de vivenciar essa maturidade que só um filho pode dar. Quando possível certamente quero falar mais sobre Clarice e sua jornada nesse universo.</div>

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![IMG_5920.JPG](https://steemitimages.com/DQmNpybaxVKudqodPrkQ7jFirNwqCCG7Fe1w4X7Jz9wXEm6/IMG_5920.JPG)
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